Aquivos por Autor: Luis Garcia

Mind the Gap

Estive recentemente no ISEL, num evento muito interessante que vai na sua 4ª edição, de nome Iseltech, que pretende aproximar a Universidade e as Empresas através de uma série de sessões preparadas pelas empresas com vista a dar as suas perspetivas do mundo: uns com apresentação de produtos, outros sobre conceitos, etc…

A Rumos convidou-me a fazer uma apresentação e decidimos discutir o tradicional vão existente entre o mundo académico e o empresarial. O foco foi estimular os alunos a percepcionarem o afastamento entre as duas realidades e encontrarem métodos e procurarem agir por forma a encurtar essa distância.

Deixo-vos aqui a gravação da minha participação.

 

Aqui fica um link para a lista de participantes deste excelente evento.

Como evitar os: 360º de nada

Em Fevereiro de 2006, tive a oportunidade de escrever um artigo de opinião sobre tecnologia, para a revista HOMEM magazine. Identificar um assunto merecedor do artigo foi um desafio interessante. Recordo-me que haviam diversos assuntos da área tecnológica em que estava envolvido e que captavam a minha atenção mas marcou-me uma viagem a Marrocos, uns meses antes, com os parceiros da Microsoft Portugal, e uma particular conversa com Francisco Chaves, o então responsável pela área de CRM (Customer Relationship Management – Gestão da Relação com o Cliente) da Microsoft, durante um almoço de Tajine, Cuscuz e outras especialidades que não memorizei por não me cativarem.

O discurso do Francisco sobre o novo produto Microsoft CRM, completamente realista e sem aquele empolgamento exacerbado típico da casa de software, encaixava, e muito bem, na minha abordagem a projectos, mesmo que de grande envergadura: começar com expectativas baixas mas com uma convicção forte de atingir, num curto período, o cumprimento de alguns trunfos de elevada popularidade. Esta abordagem permite, desde logo, envolver os participantes no projecto que se torna de todos, por sentirem imediatamente o benefício daquela implementação. Quanto aos “Velhos do Restelo“, que sempre existirão, pode ser que consigamos converter alguns (poucos) e aguardar por que “chegue a hora” dos restantes.

Por hora da escrita do artigo, o Banco Espírito Santo fazia uma forte campanha da sua conta BES 360 e a Microsoft dispunha da nova consola  XBox que também apelidava de 360. No mercado usavam-se inúmeras conotações com as capacidades 360º dos produtos e os projectos de implementação de CRM para a monitorização a relação com o cliente e ERP (Enterprise Resource Planning – Planeamento dos Recursos Empresariais) para a monitorização da produção interna, arrastavam muitas empresas pelo desespero de investimentos impossíveis de reaver levando mesmo algumas ao fecho.

Deixo-vos o artigo que escrevi então:

360º de nada

No nosso dia-a-dia, é já um hábito ver campanhas de marketing centradas na promessa de uma “visão 360º”. Há um banco da nossa praça e uma consola de jogos recentemente lançada que utilizam esse chavão como forma de se diferenciarem da sua concorrência.

Uma “visão 360º” é uma promessa interessante porque é interpretada, em regra, como um meio de adquirir absoluto conhecimento sobre as alternativas que se colocam num dado trajecto e, com isso, possibilitar atempadas decisões. Parece, portanto, ser um chavão cuja promessa indica o caminho do sucesso.

De facto, uma “visão 360º” pode não valer de nada, por exemplo, caminhando numa noite sem qualquer foco de luz, ou a bordo de uma embarcação em dia de cerrado nevoeiro. Em qualquer destes casos, a visão não contribui para o sucesso, por vezes, apenas contribui para uma falsa sensação de segurança. Mais importante do que ter um campo de visão alargado, é aceder a dados para interpretar e, preferencialmente, conhecer o código de interpretação dos mesmos (“saber compreendê-los”). Por outro lado, ter mais informação do que a que se consegue abarcar, pode transformar um “paraíso” de informação num “inferno” de trabalho improdutivo.
Uma visão, ainda que parcial, de informação interpretável, relevante e processável em tempo real parece ser uma condição bem mais consistente no rumo do sucesso.

Nas empresas, esta promessa da “visão 360º” é repetidamente evocada quando se discute a implementação de programas de CRM (Customer Relationship Management – Gestão de Relacionamento com o Cliente) e ERP (Enterprise Resource Planning – Planeamento de Recursos Empresariais). O argumento típico é: «Com um modelo completo e ajustado à sua empresa, terá uma “visão 360º” que lhe permitirá agir atempada e correctamente às mensagens subliminares enviadas pelo mercado – no caso do CRM – ou pela produção interna – no caso do ERP.», isto é, alterações subtis nos dados esperados – considerados normais – são imediatamente anunciadas para análise, permitindo eventualmente corrigir a rota.
Uma promessa aliciante e, sem dúvida, de peso relevante na decisão de avançar em inúmeros projectos de implementação de CRM e ERP que fracassaram no passado.
Esta ideia romântica de que é possível atingir um modelo completo e ajustado à empresa falha. Apesar de haver onde colocar a informação gerada no contacto com um determinado cliente ou na criação de um produto, os formulários a preencher sobre essa interacção são tão completos, e consequentemente exaustivos, que o colaborador diminui a sua produtividade, desmotiva-se e encontra formas de não colocar toda a informação requerida. Surge a noção de a empresa ficar demasiado burocrática: «Para fazer uma coisa simples tenho que preencher 2 formulários e aguardar aprovação de 3 chefias… se puder, não faço!». Chega-se assim a uma “visão 360º” de: “nada está escrito”; de “nada é consistente”; de “nada resulta”; e portanto, de “nada se aproveita”. Parece-me evidente que é preferível ter uma visão mais curta, de dados que possamos interpretar com alguma margem de segurança, do que uma “visão 360º” de nada.

Quando um consultor começa com uma abordagem: «Com este projecto, você vai conquistar o mundo…» não deixo de pensar: «Olha outro…». A abordagem certa passa por: «Vamos devagar. Começamos por saber o histórico de comunicação com o cliente e, conforme conseguirmos abraçar esta tarefa, passamos para a seguinte. Vamos alterar o mínimo os procedimentos dos colaboradores, dar-lhes apenas mais alguns campos para preencher, aproveitando aqueles que ele teria sempre que escrever, como o nome do cliente e o assunto ao escrever uma mensagem de e-mail».
Foi desta forma que o Microsoft CRM 3.0 me foi apresentado pelo seu principal responsável em Portugal. O Microsoft CRM está intimamente integrado com o Microsoft Outlook – torna-se até difícil distinguir quando estamos a usar um e outro – porque esta é a ferramenta que o colaborador usa enquanto contacta com o cliente, porque todas as mensagens de e-mail, enviadas ou recebidas, são arquivadas e associadas ao cliente, ao preciso negócio a que dizem respeito, apenas com o preenchimento de mais alguns campos. O lançamento desta nova versão do Microsoft CRM em Português de Portugal está a ocorrer durante este mês de Fevereiro e está a ser um verdadeiro sucesso.

in HOMEM magazine Nº203 – Fevereiro de 2006

As Gordas Mentem

Há uns dias recebi uma carta com um perfil particularmente distinto do Banco Best. Era um envelope preto, com um papel de qualidade, de elevada gramagem e um lustro que não deixava dúvidas quanto ao conteúdo. Todos sabemos que estes envelopes são tanto mais importantes quanto mais brancos, por exemplo, colorido significa oferta de um produto, branco com o logótipo é um extracto e completamente branco, um cartão de crédito ou débito (facto que, alegadamente, engana sempre os larápios de correspondência alheia que não sabem dobrar os subscritos brancos para detectar estes cartões).

Claramente porque me interesso por estas coisas do marketing, e porque não tinha mais nada que fazer enquanto estava «ali» sentado, decidi abrir e ver como era exposto o produto. Com igual requinte, uma carta apresentava um “cheque” que me possibilitava a aceitação de um «Crédito Aprovado até» um certo montante. «Tem ao seu dispor um crédito pessoal pré-aprovado» – dizia no verso – e uma tabela de simples análise identificava as prestações a suportar de acordo com simulações variáveis em tempo e montante do crédito. Na carta dizia ainda, «Para dar sequência ao seu pedido de crédito, basta preencher o cheque que lhe enviamos e remetê-lo para o Banco Best através do envelope RSF anexo.» Ciente de não ter solicitado tal crédito, dei comigo a pensar que alguém fez um query às bases de dados do banco, solicitando todos os clientes com um determinado perfil financeiro e eu acabei listado como necessitado de um crédito pessoal.

Interrompi o meu pensamento para descortinar que Bem, ou Serviço, o meu subconsciente necessitava, até ao valor apresentado no «cheque», que, não sendo do meu conhecimento, era identificado pelo meu «Personal Finance Advisor» – com quem, diga-se, nunca privei. Não tendo sido evidente, por não chegar para o Porsche que nunca terei, prossegui com a minha análise.

Deparei-me então, mais uma vez, com um método de marketing que prolifera sem que ninguém lhe ponha fim e que desprezo profundamente: «*O crédito está sujeito à comissão de estudo do processo no valor de 75€, a qual poderá ser financiada.». O perfil dos destinatários do envelope negro e lustroso foi claramente definido: todos os clientes com ou sem condições para usufruir do crédito. Caso algum deles se identifique como interessado, surge então o estudo cujos custos são imputados ao cliente mesmo que este retumbe num redondo: “NÃO! Você não tem condições para pagar o montante que pretende no número de prestações que pretende”.

O que me deixa desvairado é que depois de, nas «gordas» estar escrito que o crédito está aprovado até um montante X, em letras menores e com um destaque mínimo está o contraditório custo de um estudo ainda por fazer. O que deveria estar nas “gordas” era, “Estudamos o seu crédito até ao montante X por apenas 75€”.

A este exemplo juntam-se todos os dias novos: a promessa da compra de um BMW 320d por 320€/mês que esconde uma entrada principesca e uma “saída” (vulgarmente chamada de valor residual) ainda maior; ou o acesso ADSL por 0€ mês que acontece apenas nos primeiros 3 meses de um contrato obrigatório de 12.

Não sou inocente a pontos de não compreender que o marketing sempre foi assim. Os hambúrgueres do McDonalds sempre foram maiores e mais apetitosos no placard por trás dos funcionários do que pela frente, em cima do tabuleiro. Os automóveis dos anúncios sempre tiveram vidros opacos e, em Portugal, só se podem comprar com vidros apenas “fumados”. O que me desagrada é que esta discrepância é agora verbal e que ninguém parece estar a notar. Cabe-me um pedido de desculpa porque o que devia estar nas “gordas” deste artigo era: «Detesto marketing falso e descarado mas principalmente o facto de quem o pratica estar a safar-se!» mas precisava de mostrar-lhe o que sinto.