Arquivo da Categoria: Tecnologia

Como evitar os: 360º de nada

Em Fevereiro de 2006, tive a oportunidade de escrever um artigo de opinião sobre tecnologia, para a revista HOMEM magazine. Identificar um assunto merecedor do artigo foi um desafio interessante. Recordo-me que haviam diversos assuntos da área tecnológica em que estava envolvido e que captavam a minha atenção mas marcou-me uma viagem a Marrocos, uns meses antes, com os parceiros da Microsoft Portugal, e uma particular conversa com Francisco Chaves, o então responsável pela área de CRM (Customer Relationship Management – Gestão da Relação com o Cliente) da Microsoft, durante um almoço de Tajine, Cuscuz e outras especialidades que não memorizei por não me cativarem.

O discurso do Francisco sobre o novo produto Microsoft CRM, completamente realista e sem aquele empolgamento exacerbado típico da casa de software, encaixava, e muito bem, na minha abordagem a projectos, mesmo que de grande envergadura: começar com expectativas baixas mas com uma convicção forte de atingir, num curto período, o cumprimento de alguns trunfos de elevada popularidade. Esta abordagem permite, desde logo, envolver os participantes no projecto que se torna de todos, por sentirem imediatamente o benefício daquela implementação. Quanto aos “Velhos do Restelo“, que sempre existirão, pode ser que consigamos converter alguns (poucos) e aguardar por que “chegue a hora” dos restantes.

Por hora da escrita do artigo, o Banco Espírito Santo fazia uma forte campanha da sua conta BES 360 e a Microsoft dispunha da nova consola  XBox que também apelidava de 360. No mercado usavam-se inúmeras conotações com as capacidades 360º dos produtos e os projectos de implementação de CRM para a monitorização a relação com o cliente e ERP (Enterprise Resource Planning – Planeamento dos Recursos Empresariais) para a monitorização da produção interna, arrastavam muitas empresas pelo desespero de investimentos impossíveis de reaver levando mesmo algumas ao fecho.

Deixo-vos o artigo que escrevi então:

360º de nada

No nosso dia-a-dia, é já um hábito ver campanhas de marketing centradas na promessa de uma “visão 360º”. Há um banco da nossa praça e uma consola de jogos recentemente lançada que utilizam esse chavão como forma de se diferenciarem da sua concorrência.

Uma “visão 360º” é uma promessa interessante porque é interpretada, em regra, como um meio de adquirir absoluto conhecimento sobre as alternativas que se colocam num dado trajecto e, com isso, possibilitar atempadas decisões. Parece, portanto, ser um chavão cuja promessa indica o caminho do sucesso.

De facto, uma “visão 360º” pode não valer de nada, por exemplo, caminhando numa noite sem qualquer foco de luz, ou a bordo de uma embarcação em dia de cerrado nevoeiro. Em qualquer destes casos, a visão não contribui para o sucesso, por vezes, apenas contribui para uma falsa sensação de segurança. Mais importante do que ter um campo de visão alargado, é aceder a dados para interpretar e, preferencialmente, conhecer o código de interpretação dos mesmos (“saber compreendê-los”). Por outro lado, ter mais informação do que a que se consegue abarcar, pode transformar um “paraíso” de informação num “inferno” de trabalho improdutivo.
Uma visão, ainda que parcial, de informação interpretável, relevante e processável em tempo real parece ser uma condição bem mais consistente no rumo do sucesso.

Nas empresas, esta promessa da “visão 360º” é repetidamente evocada quando se discute a implementação de programas de CRM (Customer Relationship Management – Gestão de Relacionamento com o Cliente) e ERP (Enterprise Resource Planning – Planeamento de Recursos Empresariais). O argumento típico é: «Com um modelo completo e ajustado à sua empresa, terá uma “visão 360º” que lhe permitirá agir atempada e correctamente às mensagens subliminares enviadas pelo mercado – no caso do CRM – ou pela produção interna – no caso do ERP.», isto é, alterações subtis nos dados esperados – considerados normais – são imediatamente anunciadas para análise, permitindo eventualmente corrigir a rota.
Uma promessa aliciante e, sem dúvida, de peso relevante na decisão de avançar em inúmeros projectos de implementação de CRM e ERP que fracassaram no passado.
Esta ideia romântica de que é possível atingir um modelo completo e ajustado à empresa falha. Apesar de haver onde colocar a informação gerada no contacto com um determinado cliente ou na criação de um produto, os formulários a preencher sobre essa interacção são tão completos, e consequentemente exaustivos, que o colaborador diminui a sua produtividade, desmotiva-se e encontra formas de não colocar toda a informação requerida. Surge a noção de a empresa ficar demasiado burocrática: «Para fazer uma coisa simples tenho que preencher 2 formulários e aguardar aprovação de 3 chefias… se puder, não faço!». Chega-se assim a uma “visão 360º” de: “nada está escrito”; de “nada é consistente”; de “nada resulta”; e portanto, de “nada se aproveita”. Parece-me evidente que é preferível ter uma visão mais curta, de dados que possamos interpretar com alguma margem de segurança, do que uma “visão 360º” de nada.

Quando um consultor começa com uma abordagem: «Com este projecto, você vai conquistar o mundo…» não deixo de pensar: «Olha outro…». A abordagem certa passa por: «Vamos devagar. Começamos por saber o histórico de comunicação com o cliente e, conforme conseguirmos abraçar esta tarefa, passamos para a seguinte. Vamos alterar o mínimo os procedimentos dos colaboradores, dar-lhes apenas mais alguns campos para preencher, aproveitando aqueles que ele teria sempre que escrever, como o nome do cliente e o assunto ao escrever uma mensagem de e-mail».
Foi desta forma que o Microsoft CRM 3.0 me foi apresentado pelo seu principal responsável em Portugal. O Microsoft CRM está intimamente integrado com o Microsoft Outlook – torna-se até difícil distinguir quando estamos a usar um e outro – porque esta é a ferramenta que o colaborador usa enquanto contacta com o cliente, porque todas as mensagens de e-mail, enviadas ou recebidas, são arquivadas e associadas ao cliente, ao preciso negócio a que dizem respeito, apenas com o preenchimento de mais alguns campos. O lançamento desta nova versão do Microsoft CRM em Português de Portugal está a ocorrer durante este mês de Fevereiro e está a ser um verdadeiro sucesso.

in HOMEM magazine Nº203 – Fevereiro de 2006